Já escrevi neste
blog sobre assuntos que, à primeira vista, parecem não ter relação alguma com Yoga. No entanto, todos eles vêm de experiências diárias em que praticar e pensar sobre o Yoga está presente, e isso colore o entendimento dessas experiências.
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"Tríptico Samuel Beckett" (foto Daniel Seabra) |
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"Tríptico Samuel Beckett" (foto Renato Ogata) |
Nossos ossos estão mais próximos de nos igualar aos outros. Os esqueletos trazem diferenças e são identificáveis, mas de maneira menos óbvia do que outros tecidos do nosso corpo.
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(imagem do vídeo release do espetáculo) |
Digo isso porque cheguei - bem curiosa! - à peça "Tríptico Samuel Beckett", em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil - São Paulo e, entrando no teatro, além das três atrizes, me chamou a atenção o esqueleto que aparece ao fundo e permanece parcialmente iluminado, durante toda a espera. Víamos a caixa torácica, e uma luz bem mais forte nos quadris. Fiquei em dúvida e questionei, junto ao meu querido, se o esqueleto não tinha cabeça, ou se ela estava apenas sem luz. Havia, separada, do lado esquerdo do espectador e acima, uma caixa craniana, em imagem bidimensional, radiografia.
Não pude evitar pensar, enquanto esperava o início, que no Bhagavad Gita fala-se em três Yogas: Karma Yoga (Yoga da Ação), Bhakti Yoga (Yoga da Devoção) e Jñana Yoga (Yoga do Conhecimento). E que cada um dos três tem sua sede, na arquitetura humana, com órgãos protegidos - pois são muito importantes -, pelos ossos: o primeiro pelos ossos da bacia, o segundo pelos ossos da caixa torácica e o terceiro pela caixa craniana.
Sob essa ótica, achei significativa a iluminação do esqueleto. E ele fez sentido do início ao fim do espetáculo, em que vemos três idades da vida de uma mulher e em que a matéria é a sensação do nada de que somos feitos.
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"Tríptico Samuel Beckett" (foto Daniel Seabra) |
Desesperador? Trata-se de uma escolha, um ponto de vista, uma proposta que julgo bem pertinente nesse momento da nossa história. Um momento atravessado pela escuridão de tudo o que vivemos, mas que começa a questionar de forma um pouco mais intensa. E a transformar, por desajeitado e doloroso que seja.
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(imagem do vídeo release do espetáculo) |
Na primeira parte, com a atriz Juliana Galdino, a mulher adulta, em um dado momento o crânio bidimensional é aceso, em
backlight. Um questionamento, uma consciência sendo levada para cima, embora em uma cabeça divorciada do corpo? A atriz, que ficava sentada com apenas as pontas dos pés no chão, também vai se levantar e fala sobre ficar em pé. E, para mim, é como se falasse um pouco das nossas tentativas - não como seres individuais, mas como espécie -, de nos levantarmos, de ficarmos inteiros, desse nosso exercício. É essa a sensação que tenho também quando ela fala da dor nos ossos. Bolas! Lembro das aulas de anatomia no curso de formação de Yoga: osso não dói. Mas ela está certa: essa estrutura, em que somos todos mais parecidos uns aos outros, está doendo sim! E é preciso levar luz. Também para além dos quadris.
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(imagens do vídeo release do espetáculo) |
Podemos ver o esqueleto por inteiro em cenas com a criança e com a velha. E acho curioso que a primeira vez é próxima de quando a criança fala de um ouriço, de um tipo de compaixão, de um compartilhamento qualquer com um outro ser. E, na parte final da peça, o esqueleto está lá inteiro, mas não em posição ortostática. Parece meio canhestro, com o pé (eu só conseguia ver o direito) virado para dentro. E - um pouco marionete, ainda não senhor de si? - com os cabos de sustentação aparentes!
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(imagem salva da página "SAMUEL BECKETT": https://www.facebook.com/SamuelBeckettPage |
Bem, limito-me a essas observações que fiz e que julgo pertinentes a este
blog, entre outras coisas, pela relação com o pensar sobre estarmos aqui, num esqueleto/corpo, nesta contemporaneidade tão louca quanto cheia de potencialidades. Há outros textos sobre o trabalho, na imprensa e também
um texto interessante do diretor.
Apenas mais um comentário, que não tem a ver diretamente com este espetáculo: a atriz Juliana Galdino protagonizou um momento muito marcante que tive no teatro, no espetáculo "Amante". Em uma cena, quando era a vez dela ir para o canto do palco e falar sobre o crime, fiquei maravilhada com o distanciamento que ela conseguiu me trazer em relação à cena e às coisas todas que estavam em questão. Para mim foi algo análogo à desaceleração libertadora da mente de que nos aproximamos com exercícios para a meditação.
Mas aí é mais conversa... Fecho com a pergunta com que ela encerra a primeira parte deste "Tríptico Samuel Beckett": "Vamos?"
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